domingo, 24 de maio de 2009


“Cetoacidose Diabética: conhecendo para poder cuidar!”

Dr. Cristiano Vinicius Barbosa:.
ENFERMEIRO
COREN/SP: 16778/08
 A cetoacidose diabética é “caracterizada” por hiperglicemia, níveis elevados de corpos cetônicos no sangue e acidose metabólica. A deficiência de insulina, associada a níveis elevados de hormônios contra-reguladores (glucagon, cortisol, hormônio do crescimento e catecolaminas), é o principal “determinante” dessa condição.

Fisiopatologia
A cetoacidose diabética ocorre quando há deficiência relativa ou absoluta de Insulina em associação com um aumento dos Hormônios Contra-reguladores, sendo este o mais potente.
Adrenalina e Glucagon inibem a captação periférica de glicose e aumentam a sua produção hepática, estimulando a Gliconeogênese e a Glicogenólise.
O Glucagon bloqueia a Lipogênese hepática e induz a Cetogênese.
O Cortisol e o Hormônio do Crescimento bloqueiam a ação periférica da insulina e potenciam o efeito da Adrenalina e do Glucagon na produção hepática da glicose.
Na deficiência da Insulina, o Cortisol, o Hormônio do Crescimento e Adrenalina promovem Lipólise pela degradação de Triglicérides em Glicerol e Ácidos Graxos Livres.
A Beta Oxidação de ácidos graxos aumenta a produção de Corpos Cetônicos.
Segundo Marzzoco, et al., “no fígado dos mamíferos, uma pequena quantidade de acetil-CoA* é normalmente transformada em Acetoacetato e β-hidroxibutirato. O acetoacetato sofre descarboxilação espontânea, originando a Acetona. Os três compostos são chamados, em conjunto, de corpos cetonicos, e sua síntese (produção), de cetogênese. Os corpos cetônicos são liberados na corrente sanguinea, e o acetoacetato e o β-hidroxibutirato são aproveitados como fonte de energia pelos tecidos extra-hepaticos, principalmente coração e músculos esqueléticos. A Acetona, por sua vez, não é oxidada, sendo volatizada nos pulmões”.
Os diversos distúrbios do metabolismo têm como conseqüência imediata a Hiperglicemia, que provoca glicosúria. A Hiperglicemia e a perda de Água provocam aumento da tonicidade plasmática com desvio de Água e Potássio (K+) do meio intra para o extracelular. A diurese osmótica e a cetonuria levam a perdas renais significativas de Potássio.
Os cetoácidos formados são ácidos fortes, que se dissociam totalmente no pH fisiológico e são eliminados pela urina. A Cetonúria determina a excreção de cátions (sódio, potássio), os íons de hidrogênio (H+) acumulados são neutralizados por tampões intracelulares e extracelulares, enquanto os ácidos não voláteis se acumulam no plasma, ocasionando aumento do hiato aniônico.
Segundo Grossi, “a glicosúria desencadea pela hiperglicemia provoca diurese osmótica (poliuria) e, a perda de água e eletrólitos torna-se tão intensa que o paciente entra em franca desidratação com falência circulatória periférica, hipotensão, queda do fluxo sanguíneo renal e anúria. A desidratação associada à hiperglicemia aumenta a osmolaridade plasmática, força a saída de água do intracelular para o extracelular (desidratação intracelular) e induz à formação de substâncias intracelulares osmoticamente ativas, denominados osmóis idiogênicos, elevam a osmolaridade intracelular e minimizam a perda de água. A acidose metabolica, originada inicialmente pela lipólise, eleva os níves de corpos cetônicos no sangue, que são eliminados através da urina (cetonúria) acompanhados de grande perda de sódio, potássio e bicarbonato. A excessiva formação de ácido lático, agrava o quadro de acidose”.
O grau de acidez é uma propriedade química importante no sangue e de outros líquidos corpóreos. A acidez é expressa na escala de pH, na qual 7,0 é o valor neutro, acima de 7,0 é básico (alcalino) e abaixo de 7,0 é acido. Normalmente o sangue é discretamente alcalino, com o pH situado na faixa de 7,35 a 7,45.A acidose metabólica é a acidez excessiva do sangue caracterizada por uma concentração anormalmente baixa de bicarbonato no sangue. Quando um aumento do ácido supera o sistema tampão do pH do corpo, o sangue pode tornar-se realmente ácido. Quando o pH sanguineo cai, a respiração torna-se mais profunda e rápida à medida que o organismo tenta livrar o sangue do excesso de ácido reduzindo a quantidade de dióxido de carbono. Como já fora citado, em caso de Cetoacidose Diabética, devemos lembrar que é caracterizada pela Hiperglicemia, aumento de Corpos Cetônicos, e Acidose Metabólica. E que está associada a insuficiência de Insulina associada aos níveis elevados de Hormônios Contra-reguladores.

Manifestação clínica
A cetoacidose diabética instala-se num período inferior a 24 horas. Apresenta-se da seguinte forma:
- Poliúria.
- Polidipsia.
- Perda de peso.
- Náusea e vômitos.
- Algia abdominal, podendo ocasionalmente simulando um quadro de abdome agudo.
- Diminuição da elasticidade da pele.
- Respiração rápida e profunda (de Kussmaul).
- Hálito com odor de fruta, relacionado com os corpos cetônicos, devido a Acetona ser volatilizada nos pulmões.
- Taquicardia, relacionada a depleção de volume.
- Hipotensão arterial.
- Alteração do estado de consciência.
- Coma.
- Óbito.

Diagnóstico Médico
Além das manifestações citadas, os exames clínicos, juntamente com os exames laboratoriais, radiológicos confirmam a patologia, possibilitando de imediato uma intervenção médica e de enfermagem eficaz, a fim de reverter o quadro cetótico.
As avaliações da Uréia, Creatinina, Íons (Na, K, Cl, Ca, Mg, P), Cálculo Hiato Aniônico (anion gap), dosagens de Glicose, Cetonas Plasmáticas e Urinárias, Gases Arteriais, análise da Urina, Urocultura, Hemocultura, RX de Tórax, Eletrocardiograma (ECG) para avaliar o Potássio e o próprio coração, Amilase sérica que pode revelar a presença de pancreatite como causa ou conseqüência da descompensação.
O Enfermeiro e a equipe de Enfermagem devem estar atentos aos sinais/sintomas, e conscientes da importância da solicitação destes exames.

Tratamento Médico
O tratamento médico consiste em medidas gerais como jejum, sondagem nasogástrica dependendo do estado de consciência; sondagem vesical para avaliação do débito urinário, e não para controle de glicosúria/cetonúria, mesmo assim em última instância (pelo risco de infecção); monitorização da pressão venosa central (PVC) / pressão capilar pulmonar (PCP) em pacientes idosos ou cardiopatas.
Recuperação do volume circulatório.
Correção da hiperglicemia e hiperosmolaridade.
Correção dos distúrbios hidroeletrolíticos.
Detecção e tratamento das causas precipitantes e complicações.

Tratamento de Enfermagem
O Histórico de Enfermagem deve ser detalhado, a fim de estabelecermos diagnósticos precisos para a otimização da Sistematização da Assistência de Enfermagem.
É necessário que o Enfermeiro esteja preparado para implantar os diagnósticos de enfermagem, baseado na própria etiologia da doença, suas manifestações, e terapêutica médica, a fim de proporcionar segurança e êxito na assistência.
Diagnósticos de Enfermagem
Segundo a NANDA (North American Nursing Diagnosis Association), selecionamos alguns dos Diagnósticos de Enfermagem relacionados com a patologia:
00002 – Nutrição desequilibrada: menos do que as necessidades corporais, relacionado e evidenciado pela perda de peso.
00033 – Ventilação espontânea prejudicada.
00032 – Padrão respiratório ineficaz.
00030 – Troca de gases prejudicada.
00088 – Deambulação prejudicada.
Estes relacionados e evidenciados pela respiração rápida profunda (de Kussmaul).
00128 – Confusão aguda.
00131 – Memoria prejudicada.
00130 – Processos do pensamento perturbados.
Estes relacionados e evidenciado pela alteração do nível de consciência.
00044 – Integridade da pele prejudicada, relacionado e evidenciado pela diminuição da elasticidade da pele.
00004 – Risco de Infecção, relacionado e evidenciado por procedimentos invasivos, e internação hospitalar.
00132 – Dor aguda, relacionado e evidenciado por algia abdominal simulando um quadro de abdome agudo.
00016 – Eliminação prejudicada, relacionado e evidenciado pela Poliúria e Anúria.
00134 – Náusea, relacionado e evidenciado pelo quadro de náusea e vômito.

Segundo Zanetti, “dentro da equipe multiprofissional de saúde, o Enfermeiro é responsável pelo desenvolvimento de programas de treinamento relativos ao cuidado da pessoa diabética, assim como os Técnicos e Auxiliares de Enfermagem, merecem relevância ao trabalho que desenvolvem no processo educativo e assitencial”.

Enfermagem em Ação
- Verificar a presença e acompanhar a regressão dos sinais e sintomas que caracterizam a cetoacidose.
- Monitorizar os sinais vitais e outros parâmetros hemodinâmicos.
- O Equipe deve registrar a frequência e profundidade da respiração, e a presença de respiração de Kussmaul; o Enfermeiro deve auscultar observando se há presença de ruídos adventícios.
- A equipe deve solicitar os resultados dos exames laboratoriais prescritos ao longo do tratamento.
- Monitorizar e registrar entradas e saídas de líquidos. O uso de sonda vesical de demora não é necessário se o paciente estiver alerta, entretanto, se não apresentar diurese após 4 horas de hidrtação adequada é aconselhável o cateterismo vesical. Um débito urinário menor que 30 mL por duas horas consecutivas deve ser notificado ao médico.
- Elevar a cabeceira do leito a 30 graus e, na ocorrência de vômitos, medicar conforme prescrição médica.
- Observar e comunicar alteração do turgor cutâneo e a perfusão periférica.
- Comunicar ao Enfermeiro quando os valores de glicose reduzir ou aumentar.
- Monitorizar alteração eletrocardiográficas que denotem sinais precoces de desequilíbrio nos níveis de potássio.
- Monitorizar sinais de hipoglicemias como sudorese, taquicardia, sonolência, desorientação.
- Proporcionar a manutenção da integridade cutânea e adequada higiene oral.
- Instalar e contolar rigorosamente a hidratação inicial prescrita pelo médico com o objetivo de repor as perdas e eliminar o excesso de glicose.
- Em criança, a reposição hídrica deve ser muito cautelosa tendo em vista o risco de edema cerebral quando a infusão são administradas muito rapidamente. As reposições devem ser de 10 a 20 mL/kg/h de solução salina isotônica (Na Cl a 0,9%). Em pacientes muito desidratados essa expansão inicial pode ser repetida, entretanto, não deve exceder a 50 mL/kg nas primeiras 4 horas de terapia.
- Instalar e controlar rigorosamente a infusão contínua de Insulina Regular endovenosa em bomba de infusão, prescrita pelo médico ( a infusão é mantida até a correção da acidose e não da glicemia, pois os objetivos da terapêutica insulínica, nestes casos são, impedir a degradação do glicogênio hepático, diminuir a gliconeogênese e melhorar a utilização periférica da glicose). Antes da infusão da infusão é recomendável realizar uma pré-lavagem do equipo com 50 mL da solução para permitir que ocorra o processo de absorção a insulina ao equipamento de infusão e garantir a concentração correta da insulina a ser administrada. As infusões devem ser trocadas a cada 6 horas.
- Quando a cetoacidose estiver sob controle, ou seja, glicemia menor que 200 mg/dL, Bicarbonato (HCO3) menor 18 mEq/l e pH menor que 7,3 e o paciente estiver em condições de se alimentar, é possível iniciar Insulina Regular e NPH por via SC.
- Elevar o decubito na presença de desconfortos respiratórios e administrar oxigênio se indicado.
- O Enfermeiro deve auscultar ruídos hidroaéreos e avaliar a presença de dor e distensão abdominal, visto que a cetoacidose pode simular um abdômen agudo.
- O Enfermeiro deve atuar junto ao paciente e familiares com o objetivo de educar para a prevenção de novos epsódios de cetoacidose, enfatizando os principais sinais e sintomas como sede excessiva, poliúria, hálito cetônico, dor abdominal, náusea, vômitos, prostação e sonolência. A Equipe de Enfermagem deve ser também orientada e auxiliada quanto a patologia, os sinais e sintomas, e possíveis intercorrências já citadas.

Estas ações empregadas possibilitam um controle maior da assitência de enfrmagem a ao cliente com Cetoacidose Diabética, onde estaremos desenvolvendo um raciocínio clínico pautado em bases científicas, e não meramente em “achismos”...
O corpo de Enfermagem deve compreender que a Enfermagem deve ser encarada como uma Ciência, e que para tal, precisa entender conceitos de fisiologia, anatomia, bioquímica, farmacologia, e de todas as ciências que estão ao nosso alcançe, para assim solidificarmos as nossa teorias.
É preciso entender todo o processo da Sistematização da Assistência de Enfermagem, para que não só o Enfermeiro, mas o Técnico de Enfermagem e o Auxiliar de Enfermagem sinta-se também integrante deste valoroso instrumento científico, sabendo que sua contribuição é vital para o sucesso deste processo onde é finalizado pelo Prognóstico de Enfermagem.
Acreditamos que a Ciência de Enfermagem juntamente com o fator Humano, possibilitam o emprego de uma assistência voltada para as necessidades humanas, assim como sendo uma das múltiplas ferramentas de instrumentalização de nossa arte.
Querer cuidar sem saber cuidar, seria uma imprudência gavíssima diante da real situação que nos é imposta no dia-a-dia.
É necessário planejar para organizar, sistematizar para otimizar; preparar a equipe para atuar com segurança, autonomia em seu raio de ação, e dar condições que estimulem o aprofundamento científico a fim de ser uma semente que brote e traga frutos permanentes visando a preservação e o respeito pela vida humana e defesa de nossa classe.

Glossário:

Adrenalina ou epinefrina: é um hormônio, derivado da modificação de um aminoácido aromático (tirosina), secretado pelas glândulas supra-renais, assim chamadas por estarem acima dos rins.

Cetogênese: é o processo que permite a formação de corpos cetónicos.

Cortisol: é um hormônio corticosteróide produzido pela glândula supra-renal que está envolvido na resposta ao estresse; ele aumenta a pressão arterial e o açúcar do sangue, além de suprimir o sistema imune.

Glucagon: é um hormônio polipeptídeo produzido nas células alfa das ilhotas de Langerhans do pâncreas e também em células espalhadas pelo trato gastrointestinal.

Gliconeogênese: é o mecanismo pelo qual se produz glicose, por meio de conversão de compostos aglicanos (não açucares e não carboidratos), sendo a maior parte deste processo realizado no fígado, e uma menor parte no córtex dos rins.

Glicogenólise: é a quebra de glicogênio realizada através da retirada sucessiva de glicoses.

Hormônio do Crescimento: é uma proteína e um hormônio sintetizado e secretado pela glândula pituitária anterior. Este hormônio estimula o crescimento e a reprodução celulares em humanos e outros animais vertebrados.

Hiato Aniônico: Na+ - Cl + H-CO3, o conceito de gap aniônico permite considerar as perturbações metabólicas sem a necessidade de quantificar diretamente os metabólitos do hiato aniônico calculado. O gap aniônico normal é de 12 a 18 mEq/L. A acidose metabólica está associada com um gap aniônico elevado.

Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), Segundo Wanda de Aguiar Horta, é composto por seis fases: Histórico de Enfermagem; Diagnósticos de Enfermagem; Plano Assistencial de Enfermagem; Prescrição de Enfermagem; Evolução de Enfermagem; Anotação de Enfermagem; Prognósticos de Enfermagem.


Referências Bibliográficas

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