terça-feira, 29 de setembro de 2015

Enfermagem e a Capelania Carcerária


Um dos primeiros sentimentos que temos ao refletir sobre a situação dos presídios é o de medo. Medo de um desconhecido sistema, que a cada dia nos aflige, porque retrata a violência, a impunidade, a vulnerabilidade em que a nossa sociedade se encontra. Outro sentimento que nos move é de obediência quando refletimos sobre as palavras do nosso Senhor Jesus: “...estive preso, e vocês me visitaram; ...o que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram (Mt 25.36-40)”.
A Enfermagem se faz presente em todos os seguimentos de nossa sociedade, atuando no cuidado e dignidade da vida humana, como também a vidas que se encontram encarceradas. 
Assim, apresentamos este artigo, fruto de uma pesquisa, que tem como objetivo despertar todos os Profissionais de Enfermagem sobre o papel relevante que exerce o Capelão na sociedade, profissional que atua na área do Aconselhamento, e também a ter um "olhar" diferente, delicado, sem preconceito, e acima de tudo, profissional, àquelas pessoas que se encontram presas.
  Eis a beleza da nossa profissão, cuidar de vidas, independente da situação social, econômica, e cultural!
       Segundo Silveira (2015, p.5) as prisões no Brasil, como todos podem constatar no último relatório do Ministério da Justiça, lançado no mês de junho de 2015, amontoam aproximadamente 607.000 pessoas presas; contando com os presos em prisão domiciliar, temos um total de 700.231 aprisionadas. O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos com 2,2 bilhões  e da China com 1.6 milhão. Enquanto a média mundial de encarceramento é de 144 presos para cada 100 mil habitantes, no Brasil o número sobe para 300. Entre janeiro de 1992 e junho de 2013, enquanto a população geral cresceu 36%, o número de pessoas presas aumentou 403,5%. Ao mesmo tempo que aumentou as prisões, disparou o número de homicídios no Brasil, como observa o Mapa da Violência 2015 – mortes matadas por armas de fogo, entre os anos de 1980 a 2012 a população teve um crescimento de 61%, as mortes matadas por arma de fogo cresceram 387%, mas entre os jovens esse percentual foi superior a 460%; entre jovens de 15 a 29 anos, esse crescimento foi ainda maior, passou de 4.415 vítimas em 1980 para 24.882 em 2012: 463,6% de aumento nos 33 anos decorridos entre as datas.
De acordo com Filho (2012, p.1) o Brasil é um país na rota do tráfico internacional de drogas, com cidades muito populosas e que não descobriu ainda o caminho da redução da criminalidade e continua acreditando, ao contrário de Nova Iorque, que a prisão é a solução.
Nascimento (2013, p.1) faz o seguinte alerta: por meio da precarização das unidades prisionais, está a política de privatização do sistema prisional, vendida como solução mágica; por trás dessa ilusão se escondem os objetivos de seguir com o encarceramento seletivo e em massa, as cadeias se tornam negócio e as pessoas presas passam a serem tratadas como mercadorias, objeto de venda e de lucro.
Para Nascimento (2013, p.2) a pessoa presa que permanece na prisão é vitima também de outra violência; vítimas da falta de estudo, de falta de trabalho, da falta de moradia, de saúde, da violência doméstica e de policiais. Vítimas da justiça que os esquece, da estrutura prisional marcada por todas as formas de violência física, moral e psicológica. É impossível que uma pessoa saia melhor do que quando entrou na prisão.
Somos movidos por Cristo a renunciar a nossa vontade e realizar a Dele, ser luz e sal, e um exemplo dessa obediência são os cristãos que  realizam o trabalho da Capelania Carcerária.
Segundo Silva (2005, p.1) a expressão Capelania Carcerária é sinônima de Pastoral Carcerária, sendo esta última de uso relativamente recente, cujo emprego mais freqüente ocorre predominantemente no âmbito da Igreja Católica, pelo menos no Brasil. A palavra Capelania se refere ao cargo exercido pelo capelão e recebe sua adjetivação de acordo com o público alvo do seu ministério, daí Capelania Carcerária ter origem no trabalho que o capelão realiza aos encarcerados ou presos.
Esta atividade religiosa é fundamentada na Lei através da nossa Constituição, onde descreve as atribuições e os deveres do capelão, e seu papel na sociedade como conselheiro religioso e sua contribuição numa sociedade multicultural.
De acordo com Silva (2005, p.11) o favorecimento da Lei de Execução Penal (Lei Nº 7.210, de 11/07/1984, Seção VII, Da Assistência Religiosa, art. 24 diz: A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa; 1º No estabelecimento haverá local apropriado para cultos religiosos; 2º Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade religiosa. O favorecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Nº 8.069, de 17/07/1990, Seção VII, Da Internação diz: Art. 124 – São direitos dos adolescentes privado de liberdade, entre outros, os seguintes: XIV – receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje.
De acordo com a Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, a Lei Nº 9.982, de 14 de julho de 2000, dispõe sobre a prestação de Assistência Religiosa nas entidades hospitalares públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais civis e militares. Art. 1º - Aos religiosos de todas as confissões assegura-se o acesso aos hospitais da rede pública ou privada, bem como aos estabelecimentos prisionais civis ou militares, para dar atendimento religioso aos internados, desde que em comum acordo com estes, ou com seus familiares no caso de doentes que já não mais estejam no gozo de suas faculdades mentais. Art. 2º Os religiosos chamados a prestar assistência nas entidades definidas no art. 1º deverão, em suas atividades, acatar as determinações legais e normas internas de cada instituição hospitalar ou penal, a fim de não pôr em risco as condições do paciente ou a segurança do ambiente hospitalar ou prisional.
Segundo Bonanato (2013, p.3) o objetivo da Pastoral Carcerária é anunciar o Evangelho de Jesus Cristo às pessoas privadas de liberdade e zelar para que os direitos e a dignidade humana sejam garantidos no sistema prisional, nesse momento é onde a Pastoral Carcerária faz o papel do Estado dando assistência jurídica ao detento e promovendo um atendimento ao egresso tentando desta forma manter o egresso inserido novamente na sociedade sem que ele não entre novamente no crime e volte para o sistema prisional. O apenado deve arcar com suas conseqüências, mas não pode ser esquecido, pois é um ser humano e deve ser tratado com humanidade e com condições para que inserido à sociedade não volte mais ao crime.
Na pesquisa encontramos diversos relatos sobre as dificuldades que as Pastorais Carcerárias encontram para desempenharem o seu papel, como conversando com os detentos e com a direção dos presídios, ao encaminhar relatórios a órgãos públicos competentes.
Segundo Silveira (2007, p.210) em dez anos a população carcerária do país dobrou, o que não acompanhou as mudanças desse sistema prisional foi a estrutura e funcionamento das unidades. Os grupos e facções do crime surgiram pela lacuna do Estado. As facções fornecem o mínimo para a sobrevivência, seja material de higiene, seja medicamentos, atendem também aos familiares. O Estado abandonou os presídios, também a sociedade como num todo, e o Estado aqui é o Administrativo, o Jurídico, o Ministério Público, o Legislativo. O Tribunal de Justiça não se deu a responsabilidade de cumprir a lei no que diz respeito ao juiz que deve visitar mensalmente os presídios. No Legislativo, não foi criada a ouvidoria do sistema prisional. Qualquer coisa que o preso fizer vai para o “regime disciplinar”. Segundo Haroldo Caetano da Silva (2015, p.3) o presidiário que comete falta disciplinar de natureza grave está sujeito à responsabilização administrativa e a Lei de Execução Penal (LEP) prevê para essa hipótese a possibilidade das sansões de restrição de direitos, o isolamento e, nos casos extremos, a inclusão do faltoso no regime disciplinar diferenciado, com perda parcial dos dias remidos. Mas há ainda uma ausência muito grande da sociedade civil dentro dos presídios, das entidades de direitos humanos que discutem o preso, mas não visitam o preso.
Podemos então refletir sobre “qual tem sido a participação da Igreja Evangélica Brasileira frente a tantos desafios enfrentados por estes irmãos que têm se dedicado a essa causa específica”. O que temos feito de concreto para termos uma sociedade mais igualitária?  
De acordo com Vargas (2005, p.33) entre o discurso da Pastoral Carcerária e os grupos evangélicos, grosso modo, o católico explicita uma preocupação social que é mais condizente com a realidade e com o contexto que envolve os internos, enquanto que o evangélico manifesta uma preocupação de tendência mais individual, da pessoa com Deus.
Segundo Silva (2005, p.10) no Brasil, como é notório, as organizações religiosas das mais diversas confissões têm sido solicitadas a colaborar com a Sociedade e o Poder Público no tocante ao trato das questões pertinentes ao preso. O efetivo atendimento a esse premente desafio deve levar em conta alguns fatores referenciais, pois oferecem “pistas facilitadoras” ao planejamento e atuação da Igreja nesse campo missionário que exige tratamento diferenciado: Carta das Nações Unidas; Declaração Universal dos Direitos Humanos; Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais, Culturais; Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, Convenção sobre os Direitos da Criança.
Para Vargas (2005, p.27) a religiosidade é um mecanismo indireto, mas efetivo, de controle sobre a massa carcerária, uma vez que sua presença no cotidiano prisional suaviza, balsama e ameniza as tensões diárias das internas, tornando-as mais dóceis. A presença dos grupos e dos discursos religiosos cristãos, além de proporcionar aos internos um suporte emocional, representa um parêntese no cotidiano prisional que os anima, lhes dá força e preenche de sentido os dias em cativeiro.
Junior (2015, p.2) nos ajuda a entender o papel do Capelão mediante a toda complexidade que fora apresentada nesta pesquisa, para ele: “a Capelania tem o condão de mostrar ao recluso como Deus lhe é gracioso, sendo que o respeito à sua dignidade humana proporciona, inclusive, a elevação da autoestima. Para alguns, aliás, a prisão pode ser tida como providência divina contra uma morte prematura nas mãos de outros bandidos ou em confronto com policiais. A assistência espiritual fortalece no encarcerado os valores bíblicos, a percepção de uma justa punição pelo mal cometido, a busca por romper o estigma social e solidificar os laços familiares despedaçados e, por fim, a recompensa divina pelas boas obras. Importa que realizemos a capelania porque é nosso dever nos solidarizar com os presos, também criados a imagem de Deus, exerçam eles, ou não, a mesma crença; assistir aos “domésticos da fé”, sejam irmãos convertidos na prisão ou mesmo aqueles que, por ocasião do pecado, estavam nas fileiras de nossas igrejas e acabaram infringindo a lei penal; ansiar por sermos instrumentos de Deus para que os reclusos, diante dos ensinos bíblicos, passem a se portar de maneira diferente na prisão e quando dela saírem; e evangelizar crendo que Deus, de forma soberana, é capaz de levar o homem ao arrependimento”.

Considerações finais

            Concluímos a pesquisa com o sentimento de um dever a ser cumprido, de saber que precisamos nos aprofundar sobre a temática, a fim de praticarmos a ordem que Jesus deixou para nós citada na introdução desta pesquisa.
            O crime é fruto do pecado e gera a morte (Tg 1.14-15), mas as Escrituras Sagradas nos ensina que “Visto que a morte veio por meio de um só homem, também a ressurreição dos mortos veio por meio de um só homem. Pois da mesma forma como em Adão todos morrem, em Cristo todos serão vivificados” (1Cor 15.21-22).
            Apresentamos alguns aspectos do sistema prisional, através de relatos e citações dos artigos acadêmicos.
 Procuramos mostrar os conceitos de Capelania, Capelania Carcerária e o papel do Capelão e as Leis que autorizam a sua assistência religiosa.
            Somos o país com a terceira maior população carcerária no mundo, e qual têm sido a nossa participação como Igreja de Cristo na construção, ou reestruturação dessa sociedade na qual fazemos parte?
            Assim, nos cabe o desejo de aproximarmos de irmãos que já estão nessa caminhada para aprender, e também contribuir para a proclamação do evangelho de Jesus, e para o auxílio desses “irmãos menores” que estão temporariamente encarcerados.

Referências bibliográficas:

BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional: Antigo Testamento e Novo Testamento. 2ª ed. com concordância. São Paulo: Editora Vida, 2011.
BONANATO, Thales Eduardo Haring. Sistema Prisional Brasileiro, Pede Socorro! Disponível em . Acesso em: 19 de set. 2015.
FILHO, José de Jesus. “O sistema carcerário é tão grande ou maior que a criminalidade”. Disponível em . Acesso em: 19 de set. 2015.
JUNIOR, Antonio Carlos da Rosa. Capelania prisional: Uma breve aplicação da teologia reformada à assistência religiosa aos encarcerados. Disponível em . Acesso em: 19 de set. 2015.
NASCIMENTO, Bosco. Quem dá Assistência às Vitimas. Disponível em . Acesso em: 19 de set. 2015.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLCA. Casa Civil: Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em . Acesso em: 19 de set. 2015.
SILVA, Haroldo Caetano. Súmula do STJ sobre progressão é exercício arbitrário de um poder vazio. Disponível em . Acesso em: 19 de set. 2015.
SILVA, Aluísio Laurindo . Ensaio Monográfico Capelania Carcerária: Contribuições Pastorais de João Wesley. Disponível em . Acesso em: 19 de set. 2015.
SILVEIRA, Valdir João. Agentes de Pastoral Carcerária: chamados a ser Profetas. Disponível em . Acesso em: 19 de set. 2015.
SILVEIRA, Valdir João. Por um mundo sem cárcere: Projeto de Deus e compromisso de cristãs e cristãos. Disponível em . Acesso em: 19 de set. 2015.
SILVEIRA, Valdir João. A realidade dos presídios na visão da Pastoral Carcerária – Entrevista com o Padre Valdir João Silveira. Disponível em . Acesso em: 19 de set. 2015.
VARGAS, Laura Ordóñez. Religiosidade: Poder e sobrevivência na Penitenciária Feminina do Distrito Federal. Debates do NER, Porto Alegre, ano 6, N.8, p. 21-37, Jul./Dez. 2005. Disponível em . Acesso em: 19 de set. 2015.

            

Nenhum comentário:

Postar um comentário